Quatro voltas. Você gosta do número quatro?
Na
mesma proporção que eu gosto?
Eu poderia usar todos os múltiplos,
não chegaria a lugar nenhum. Por incrível que pareça, nem tudo se resume a matemática.
Sentimentos são incontáveis, ou deveriam ser.
Você poderia me abraçar? Quatro
vezes? Por quatro minutos?
Seu sorriso parece
radiante, tanto quanto o sol. A cada passo, um par de olhos recai sobre você. É
meio estranho já que hoje é um dia como qualquer outro. Você está fazendo o
mesmo caminho de sempre, o mesmo destino de sempre. Sempre. Tudo igual.
Por
que estão te olhando, então?
Tente ignorar, continue
andando, ande. Você vai chegar lá a tempo.
Não olhe para esse
garoto, ele está totalmente perdido. Essa menina também. Meu Deus, será que
todos se perderam? Continue sorrindo!
Apresse seus passos, você
vai se atrasar. Não, você vai ir pela praça? Você está atrasada, preciso
repetir isso?
Legal, crianças...
XX
Cinco crianças, seis se
contar o bebê no carrinho. Ótimo. Elas pulam agitadas, a babá está ocupada com
seu celular. Muitas mensagens, você sabe...
Uma das crianças se
separa do grupo e corre em sua direção. A garota não sabe o que esperar desse
pequeno humano. Droga, ela está muito atrasada.
– Tia, faz uma bolha pra
mim? Bem grande – ele grita, já esfregando um desses brinquedos vagabundos de
fazer bolhas de sabão para a garota.
Ela poderia despacha-lo,
está muito atrasada. Muito encrencada. Seu olhar vai para a babá e pousa por
alguns segundos. Droga, ela é péssima.
– Claro, vamos ver se eu
ainda consigo – responde sorrindo. O garoto lança seu maior sorriso.
É uma relação mútua, você
sabe...
Ela balança o pote em sua
pequena mão, ela ainda se lembra da infância. Sabe, com o tempo você vai
esquecendo... Lembranças são guardadas em caixas diferentes do nosso cérebro,
algumas você torna a abrir um dia. Quando gira tampa, é quase um desafio. Ela
precisa fazer a maldita bolha, ou o menino vai voltar para a babá com mais essa
decepção, como se já não fosse o suficiente.
Quando
será que ela vai perceber que ele se separou do grupo?
Ela sopra.
O menino continua
sorrindo. Ela pode ver com o canto dos olhos.
Diversas bolhas explodem
no ar, o garoto é rápido e estende a mão para que a maior pouse sobre sua mão. A
bolha estoura. Ela se abaixa para poder vê-lo melhor. Não parece ter mais do
que quatro anos.
– Tia, você conseguiu!
Mais de uma! – Ele diz, mais calmo dessa vez. Ele parece maravilhado.
– É, eu consegui. Mas
sabe – diz, passando o brinquedo para a mão do garoto. – Você consegue também,
é só soprar bem forte, tá bom?
O garoto olha para o
brinquedo como se fosse impossível, ele é tão pequeno...
– Como é seu nome? – pergunta.
Ele hesita, olha para a
babá, ela continua no celular.
– Mamãe disse para não
falar com estranhos...
– Tudo bem, não precisa
me contar. Volte – Diz, apontando para as outras crianças. – Mostre para os
seus amigos que você consegue fazer uma bolha bem grande!
– Tá bom Tia – O garoto
vira abruptamente e corre de volta pro grupo, balança o brinquedo da mesma
forma que ela balançou minutos atrás. Ela o vê apontar, os olhos da babá
finalmente tomam vida e eles são famintos. Do que ela tem fome?
Ela sustenta o olhar da babá.
Vadia.
XX
Vamos, continue andando.
VOCÊ ESTÁ ATRASADA. Que droga, você é tão teimosa. Não, eu sei no que você está
pensando, não precisa voltar lá, ela já deve ter saído do telefone. Calma. Ela está
alerta, ela sabe que você poderia ser outra pessoa. Uma pessoa má.
Continue andando, corra.
A porta não está longe,
se a fila do elevador estiver pequena você pode conseguir. Você deveria ser
mais positiva consigo mesma. Passe por trás, siga reto, finja naturalidade.
Você estava sorrindo como uma criança de quatro anos há cinco minutos atrás.
Sim, seu dia será estressante.
Olha, bolhas.
Que engraçado.
Ele tem uma verdadeira
maquina de fazer bolhas, são incontáveis. Tudo bem eu deixo você parar. Tudo bem...
Ai, esquece tudo! Não dá
mais para fingir, você está ferrada. Então pare, pense em tudo mesmo. Foda-se.
É tudo tão brilhante, né?
Como o homem foi capaz de inventar uma maquina dessas? O homem é tão criativo.
Eu sei, é estranho pensar que a inocência dos quatro pode ser destruída aos
quarenta. Dizem que é assim que a vida funciona. Trabalhe, evolua, cresça,
quebre memorias, destrua todas. Você não vai precisar.
Será que todo o mundo
destruiu essa memória? Será que o homem responsável por isso já esteve numa
manhã de quarta feira com sua babá imprudente em uma praça qualquer? Será que
isso o afetou o suficiente para que a memoria não tenha sido apagada?
Droga, você está sorrindo
muito hoje, toda hora. Feche a boca. Finja impaciência. O ônibus quebrou, estava
trânsito. Você não pode sorrir. Eles precisam acreditar em você. Um decimal alimenta
estatísticas.
No ciclo da vida, você é
uma jogadora de nível médio. Você é um dois. Você tem tanto, mas tanto para
viver, você tem uma infinidade de múltiplos para sorrir. Eu estarei aqui com
você. Perto. Longe. Não importa. Você gosta do número dois?
Você poderia me abraçar? Duas
vezes? Por dois minutos?
Photo by Feliphe Schiarolli on Unsplash
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